sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

Há palavras que nos beijam

Há palavras que nos beijam

Como se tivessem boca,

Palavras de amor, de esperança,

De imenso amor, de esperança louca.





Palavras nuas que beijas

Quando a noite perde o rosto,

Palavras que se recusam

Aos muros do teu desgosto.





De repente coloridas

Entre palavras sem cor,

Esperadas, inesperadas

Como a poesia ou o amor.





(O nome de quem se ama

Letra a letra revelado

No mármore distraído,

No papel abandonado)





Palavras que nos transportam

Aonde a noite é mais forte,

Ao silêncio dos amantes

Abraçados contra a morte.


quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

Palavras Líquidas

Submersas estas palavras deste poema, escrito nas águas mornas de um ribeiro que passa.

A cor das metáforas são transparentes das palavras líquidas...

E a prosa que deriva no leito, serpenteando por entre os seixos despidos...

O ribeiro corre na poesia do poema, mas nos meus olhos,
Estes versos escrevem-se nas lágrimas de um choro fluvial...

Escrevendo, sinto-me mergulhar pelo poema abaixo...

E as folhas das árvores são fragmentos de sonhos perdidos e dispersos...

Valsando por entre as sombras.

Flutuando entre as metáforas transparentes e as palavras submersas,



Oiço subitamente uma voz ao longe que me faz acordar de um sonho...
Vejo-a emergir das águas com o corpo e a alma despida...
A imagem nítida da Musa dos meus sonhos.




Com as palavras e metáforas cintilando sobre a pele nua...
Vejo-a chegar-se perto, aproximar-se cada vez mais de mim...
Chamando-me através dos gestos escritos nos lábios e nos dedos...
Entrando por minha alma, possuindo-me!...

Mergulhando dentro do meu corpo... beija-me!...

Entre os meus braços flutuando... consome-me!...

Nadando p'lo meu peito... ama-me!...



quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

O QUINTO IMPÉRIO

Triste de quem vive em casa,
Contente com o seu lar,
Sem que um sonho, no erguer de asa,
Faça até mais rubra a brasa
Da lareira a abandonar!

Triste de quem é feliz!
Vive porque a vida dura.
Nada na alma lhe diz
Mais que a lição da raiz –
Ter por vida a sepultura.

Eras sobre eras se somem
No tempo que em eras vem.
Ser descontente é ser homem.
Que as forças cegas se domem
Pela visão que a alma tem!

E assim, passados os quatro
Tempos do ser que sonhou,
A terra será theatro
Do sai claro, que no atro
Da erma noite começou.

Grecia, Roma, Christandade,
Europa – os quatro se vão
Para onde vae toda a edade.
Quem vem viver a verdade
Que morreu D. Sebastião?

Fernando Pessoa, Mensagem (O Encoberto - 3ª parte)

terça-feira, 27 de janeiro de 2009

O Tigre (William Blake)

"The tyger, parte de Songs of Innocence and of Experience, de Willam Blake, é um dos poemas ingleses mais conhecidos no mundo luso, e por isso mesmo um dos mais traduzidos. Contudo, ninguém conseguiu vertê-lo melhor que o português Vasco Graça Moura, que merece, por seu trabalho como crítico, poeta e fantástico tradutor (da Divina Comédia, dos Sonetos de Shakespeare, por exemplo), o título inexistente de “Jorge de Sena do nosso tempo”. Apesar de tudo o que é evidentemente perdido em qualquer tradução de poesia, a mim parece sumamente filisteu não admitir que, em certos trabalhos excelentes, muita coisa é recuperada e, por conseqüência, uma obra em língua estrangeira pode passar a ocupar um lugar na nossa língua. Os anglos nunca foram bobos e sempre consideraram as traduções dos salmos por Miles Coverdale parte de seu cânon; e Samuel Johnson disse que as traduções dos clássicos feitas por Dryden e Pope “afinaram” a língua inglesa de tal modo que, depois delas, nunca mais apareceu um poeta que não captasse sua melodia. Tenho a impressão de que, no caso do português, foi Camões quem prestou este serviço.
Uma boa tradução de um grande poema em língua estrangeira também traz, além das possibilidades sonoras, certas possibilidades imaginativas. As obras em língua portuguesa parecem ser muito amigas do realismo e da intimidade, talvez pela influência francesa; já na Inglaterra parece que sempre houve mais amor por tudo que parecesse exótico e fantástico. De fora, posso dizer que não me espanta que um poeta como Blake tenha surgido ali, mas duvido muito que Blake gostasse de ser considerado “mais um poeta fantástico”, já que ele parecia levar muitíssimo a sério tudo o que escrevia – uma atitude que, curiosamente, pode ser desdenhada por muitos autores mas que parece garantir mais longevidade às obras do que seu contrário.
Songs of Innocence and of Experience trata de dois aspectos da criação: de um lado, o que é pequeno, inocente, frágil e belo por sua delicadeza, tendo como símbolo o cordeiro, o “anho” (palavra que pouco usamos no Brasil), que remete obviamente ao menino Jesus. De outro, aquilo que é majestoso e tremendo, tendo como símbolo o tigre. O poema “The tyger”, aparecendo na segunda parte, Songs of Experience, complementa The lamb (“O anho”) nas Songs of Innocence, poema em que Blake afirma candidamente ao cordeiro com quem dialoga que Aquele que o criou também chama a Si mesmo “cordeiro”; daí que, diante da força do tigre, ele prefira apenas perguntar: “fez o anho e fez-te a ti?” (“did he who made the lamb make thee?”). Estes dois aspectos da existência – reluto em falar de “arquétipos” para evitar qualquer associação com o Dr. Jung – estão simbolizados por duas estrelas que estão a praticamente 180 graus uma da outra: Aldebaran, o “Olho do Touro”, e Antares, “o Coração do Escorpião”. Ainda que hoje elas estejam próximas dos pontos norte e sul, por causa da precessão dos equinócios, há coisa de 5000 anos marcavam os pontos leste e oeste, daí sua associação com o início e o fim das coisas – o ponto leste marca a primavera e o oeste o outono – , e também com certos mitos. Hoje as estrelas não têm mais personalidade, e são tratadas genericamente apenas pelo nome de “estrelas” (assim como para mim, nascido e crescido na cidade, só existem “árvores”), mas é muito difícil achar que Blake, no século XVIII, não tivesse considerado um simbolismo tão antigo, ainda mais considerando os pendores que tinha para estas considerações. (A propósito: se você for pesquisar estas estrelas, vai ver que elas também foram associadas a anjos; mas saiba que o Judaísmo e o Cristianismo só reconhecem oficialmente os nomes de três deles, Miguel, Rafael e Gabriel; pronuncie por sua conta e risco os demais nomes, porque podem ser de anjos caídos, e dizer um nome é invocá-lo.)
Ao ler o poema, atente para seu ritmo bem marcado: um dos maiores feitos de Vasco Graça Moura é fazer com que consigamos ouvir o original mesmo na tradução. Os poemas de Blake são exemplos extremos de como a infidelidade à métrica na leitura pode fazer com que grande parte do efeito final seja perdida – e a leitura da poesia será o tema do próximo texto dominical." Pedro Sette Câmara


« Soneto à Carolina
O tigre de William Blake
April 8th, 2007 by Pedro Sette Câmara in Domingo com poesia,
Tradução: verso William BlakeTradução de Vasco Graça Moura,

(Lisboa: Quetzal Editores, 2005).


tigre, tigre, chama pura
nas brenhas da noite escura,
que olho ou mão imortal cria
tua terrível simetria?

de que abismo ou céu distante
vem tal fogo coruscante?
que asas ousa nesse jogo?
e que mão se atreve ao fogo?

que ombro & arte te armarão
fibra a fibra o coração?
e ao bater ele no que és,
que mão terrível? que pés?

e que martelo? que torno?
e o teu cérebro em que forno?
que bigorna? que tenaz
pro terror mortal que traz?

quando os astros lançam dardos
e seu choro os céus põem pardos,
vendo a obra ele sorri?
fez o anho e fez-te a ti?

tigre, tigre, chama pura
nas brenhas da noite escura,
que olho ou mão imortal cria
tua terrível simetria?